De súbito, a escuridão tomou
conta de todo o quarto. Estava deitado na cama, absolutamente entregue, resignado, mortificado
e rendido de forma irremediável ao destino, à vontade de Deus, finalmente, tal
qual um servo assustado e desamparado se prosta diante o seu Senhor; derrotado,
como um Davi que foi naturalmente esmagado por Golias; vazio e, ao mesmo tempo,
repleto de uma dor oca, que se utiliza do vácuo para propagar-se; e, por fim,
sem vida, não obstante ainda pudesse sentir a pulsação – que para alguns indica
alguma presença de vida. Não no meu
caso; mais do que indicar a vida, essa pulsação sugere uma existência, um ser
que ocupa um tempo e espaço, o que é exatamente o problema. A não-existência é
uma ideia muito mais atrativa do que a morte, pura e simplesmente a morte, que
causa certa ilusão de dor nos que continuam na “aventura da vida”. Agarrado à
ideia de não-existência vem o pressuposto lógico de “nunca ter existido”, o que
é, de fato, uma tentação incrível, imaginar o mundo sem um único vestígio de
sua nobre presença e todas as vicissitudes decorrentes dela. Esses pensamentos
me vinham enquanto eu encarava fixamente a lâmpada no meio da mais absoluta escuridão.
Como um sobressalto, voltei à realidade ao observar um pouco das reminiscências
do dia já findo, mas que ainda persistiam na lâmpada, com uma luz fraca, que
ora ia e ora voltava. Então, sentindo-me um tanto aliviado, talvez, aproveitando
o momento para limpar os pensamentos carregados que em mim habitavam há pouco,
resolvi fazer um exercício e retomar as reminiscências do meu próprio dia.
Passado alguns minutos, surpreendentemente um sorriso ensaiou aparecer em meu
rosto. Confesso que não foi um daqueles sorrisos brilhantes e encomendados das
fotos de perfil de Facebook, mas sim aqueles do tipo de um condenado diante do
seu carrasco, como a aceitação completa de uma verdade universal, da qual não
se pode escapar. Adormeci enfim agarrado à lembrança do momento mais agradável
desses últimos dias: um irascível e pequeno cachorro vira-lata me colocou para
correr hoje cedo com toda a energia e autoconfiança de um cão jihadista. Poderia beijá-lo agora. Obrigado e boa noite.
André Espínola
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