terça-feira, novembro 18, 2008

Fábula

Enquanto esperava o ônibus que me levaria ao dentista, respirando o hálito fétido de uma manhã recifense sem higiene bucal, testemunhei uma corrida sem testemunhas, onde quem corria transpirava e quem transpirava não tinha suor. Os corredores eram um copo de plástico rasgado e uma folha daquelas que morrem no outono e tornam à vida com o beijo do asfalto. Começou quando a rua descansava da passagem dos carros, agora presos em filas indianas no sinal vermelho. Esses dois objetos de pequenez grandiosa, como duas crianças, brincavam de correr. A folha parecia mais a lebre fabulosa, cuja vitória dependia apenas de si própria. Já o copo, da lebre nada tinha, exceto a cor. Também nada tinha da tartaruga perseverante, parecia-se mais um copo de plástico mesmo, desses descartáveis, nos quais se bebe, se rasga e se joga fora na rua, que é pra quando chover transformar em mar as próprias ruas. A corrida já dava sinais de que teria um vencedor fácil. O sinal vermelho estava vendo o verde avizinhar-se. Alguns carros passavam marcha, outros a reduziam. E a folha, que estava na frente, na frente não ficou, pois nesse caso a vitória dependia do vento, que fez o copo voar. A folha, porém, não voou. As árvores, que rodeavam a parada de ônibus, a rua, os prédios, e os carros que avançavam pelo sinal outrora vermelho, farfalhavam de emoção. Enquanto que a folha derrotada, desolada, fazia poças d'água no chão.

André Espínola

2 comentários:

Jessiely Soares disse...

Tudo perfeito!! O ritmo, então, impecável.

Parece mesmo corrida de Fórmula 1

Giselle Sato disse...

Excelente e talentoso como só. Poeta e contista de mão cheia.