segunda-feira, agosto 18, 2008

Viagem


Dá-me a mão, deusa, e embarca na minha humilde canoa sem remos e sem velas. Ela não é digna de ti, mas eu te abraço e te bem vindo com um beijo. Vamos viajar juntos – eu, mortal; tu, diva – pelos mares ignotos durante um, dois, três anos, sobrevivendo a tempestades severas, a monstros marítimos desconhecidos pela ciência, até a ilha – não a tua ilha – mas a minha que guardei pra ti e ninguém mais. Queimaremos nossas peles expostas ao sol, faremos amor sob a lua e embriagar-nos-emos de água salgada com tira-gosto de peixe cru. Ainda sim estarei feliz ao teu lado, e pedirei desculpas por tu teres entrado nessa viagem louca, numa canoa moribunda, que só resiste à viagem com certeza porque usas algum dos teus poderes. E pra te distrair, canto algum samba mal cantado que conheci em vidas passadas – desde que embarcaste, esse passado parece vivido por outra alma que não a minha. Daí, não sei se por felicidade ou por tristeza, mas sendo tu quem tu és, por amor, com certeza, entoas melodias que aprendeste no Olimpo e que nenhuma outra voz consegue reproduzir com tamanha beleza e sensibilidade. Quando enfim chegarmos ao destino da nossa viagem, depois de tu teres conhecido todos os meus pormenores, meus vis defeitos, minhas pífias qualidades, minha mesquinhez, meus medos, minhas fraquezas, meu desespero e minhas solidões, depois de ter conhecido teus defeitos, tuas qualidades, teus medos, tuas cicatrizes, e tudo envolto a uma áurea divina que só tu tens, deixo a canoa que nos acompanhou por toda a nossa viagem, viro-me pra ti e digo:

- Dá-me a mão, amor. Não sou deus, mas aporta-te no meu cais.

André Espínola